Dentre as diversas nuances danosas que a reforma da Previdência apresenta ao trabalhador — como o achatamento dos benefícios e o cerceamento de aposentadorias — a definição de uma idade mínima de 65 anos é o ponto central da proposta, segundo o próprio Henrique Meirelles. Contudo, o ministro da Fazenda ignora as profundas desigualdades sociais e regionais que regem o país.
Em 19 municípios brasileiros a expectativa de vida é de exatamente 65 anos, em outras 63 cidades, é de 66 anos. “As expectativas de vida são menores em locais mais pobres. As áreas menos favorecidas têm condições de vida e de saúde muito abaixo das ricas, devido às desigualdades do país”, afirma Isabel Marri, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um dos argumentos que o governo utiliza para justificar a PEC se baseia em outro conceito estatístico, diferente do de expectativa de vida: o de sobrevida. Ou seja, em quanto uma pessoa que já chegou a certa idade ainda deverá viver. Segundo a proposta, as pessoas que chegam aos 65 anos no Brasil têm, em média, mais 18,4 anos de vida. O problema, entretanto, é que esse cálculo dissolve diferenças entre gênero e local de origem.
A situação fica explícita quando supomos uma comparação entre dois jovens de 20 anos de diferentes estados e gêneros. Por exemplo, uma mulher de Santa Catarina e um homem de Alagoas. Eles estão entrando agora no mercado de trabalho e, portanto, já sofreriam os efeitos da reforma da Previdência. Segundo as estimativas, ela deve viver 14 anos a mais.
Dados do IBGE apontam que um jovem alagoano que tem 20 anos em 2016 viverá aproximadamente 69 anos. O estado tem o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. É uma vida inteira de trabalho para desfrutar de quatro anos de descanso.
“O problema é que o governo se baseia em uma realidade que não é a do total do país.”
“[65 anos] É uma idade alta considerando a realidade brasileira. Isso causa ou reforça a desigualdade”, diz a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger. Para ela, a fórmula ideal deve mesclar tempo de contribuição e idade, como a fórmula 85/95, pois assim as variações de idade entre os trabalhadores são acentuadas.
Com o segundo menor IDH do Brasil, o Maranhão é outro estado com projeções desanimadoras. Por lá, os jovens de 20 anos também devem viver, em média, até os 69. “O problema é que o governo se baseia em uma realidade que não é a do total do país. Dois terços do volume das aposentadorias são de salário mínimo, não são para milionários. E agora você faz essas pessoas trabalharem até o limite da capacidade. Um trabalhador braçal, que mora em um lugar com estrutura de saúde menor, dificilmente vai conseguir chegar aos 65 trabalhando”, afirma Berwanger.
Tanto no Maranhão, como em Alagoas, 60% das pessoas que morreram em 2014 não chegaram aos 70 anos, segundo os últimos dados disponíveis no Datasus. Com regras tão rígidas e a obrigatoriedade da idade mínima em 65 anos, o governo força o trabalhador a procurar meios privados para conseguir se retirar do mercado. “Seguramente [os trabalhadores] terão de buscar formas de complementação da aposentadoria para conseguirem se aposentar”, diz Jorge Cavalcanti, professor de direito privado e direito trabalhista na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas.
É por isso que o simples anúncio da reforma, com a entrada de Henrique Meirelles no governo, em maio, já fez o setor de previdência privada estourar a champanhe — e as metas anuais. De janeiro a outubro, as captações de clientes subiram 21,2%, um aumento de R$ 42,93 bilhões comparado aos primeiros dez meses do ano passado.
No início do ano, antes de a reforma entrar em pauta, a previsão era de estagnação ou baixa. No primeiro trimestre, o setor registrou queda de 13% na captação de novos segurados. Mesmo assim, não se pôde reclamar. Os investimentos bateram R$ 21,5 bilhões no período, sendo os planos individuais os que mais cresceram em renda.
Mas foi em outubro que a festa começou. A captação foi 57% acima da registrada no mesmo mês em 2015, acumulando R$8,8 bilhões. Desses, R$ 150,94 milhões foram investidos em planos para menores de idade, uma evidência clara de que a elite econômica já está criando estratégias de manter a qualidade de vida de seus filhos.
O último levantamento da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) indica que, entre janeiro e outubro, os novos recursos captados somam R$ 42,9 bilhões. Isso porque 2015 já havia sido um ano em que os recordes de captação foram batidos.
É uma pena que o secretário responsável pela coordenação da reforma, Marcelo Abi-Ramia Caetano, não tenha conseguido espaço em sua agenda para dialogar com as centrais sindicais, foram apenas dois encontros este ano. Caetano foi indicado para a pasta em maio, uma escolha pessoal do ministro Henrique Meirelles (Fazenda). Já com representantes de bancos e empresas de fundos privados — como JP Morgan, Santander, Itaú e XP investimentos —, conseguiu agendar cerca de 30 reuniões.
De acordo com Vilson Antonio Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais e da Receita Federal do Brasil (Anfip), “o principal diapasão dessa reforma” é a busca por maiores investimentos em previdência privada. “Com certeza deve ter havido uma pressão muito grande com objetivo de que esse mercado abocanhe uma parcela maior da previdência”, afirma o auditor. “Não deu nem para disfarçar”, critica a professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil.
“O secretário manteve encontros com as direções de bancos no meio do processo de desenho da reforma. Você olha a agenda do ministro e as declarações que os próprios bancos dão, como o anúncio de ampliação das carteiras… E a gente sabe muito bem que corre dinheiro no cenário das votações, o poder dos lobbies dentro do Congresso. O setor financeiro não se interessa pela reforma apenas para aumentar suas carteiras. Há grande interesse de maneira indireta, porque a compressão dos gastos com a previdência permite a aplicação de taxas de juros mais elevadas. E as taxas de juros seguram a margem de lucro desses capitais.”
Se os números do mercado já apresentaram atividade meteórica com a simples menção à reforma, imagine como não ficarão a partir deste mês, após a entrega da proposta oficial. Segundo a economista, a postura do governo tem sido clara: “para as empresas, financeiras ou nao, tudo; para a população mais pobre, o caos social”.
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Pergunte a um matematico se a conta vai fechar. Pergunte a medicos qual sera a expectativa de vida de um jovem que nasce hoje ou entra hoje no mercado de trabalho.
Os bancos vao lucrar? Seja socio do banco, compre acoes e lucre junto.
Materia superficial, que induz ao engano, parcial e que nada agrega ao tema.
Um lado lucra, outro perde. Bullshit total!
Fato1: da forma que esta, daqui 20 anos, ninguem mais recebe aposentadoria, nem o sujeito de SC, nem o sujeito do nordesta. Isso é um fato, comprovado matematicamente.
Fato2: as taxas de juros nao vao baixar sem uma reforma estrutural nas contas publicas, incluindo mas nao se limitando a previdencia.
Fato3: centrais sindicais nao estao preocupadas com nada mais do que centrais sindicais. Quem ja foi a um sindicado percebe o nivel de vagabundagem destas pessoas.
Fato4: é um pais grande, é terminantemente impossivel colocar uma regras e achar “justo” para todos. Coloco justo pois isso é uma percepcao de justica. As pessoas do sudeste trabalham para manter os demais estados pobres e se eles nao sabem votar, nao sabem fazer a correta gestao, se aplicam mal os recursos, isso é mera causalidade de seu atraso
Fato5: daqui aproximadamente 20 anos ou ate menos robos irao substituir 70% do trabalho bracal e muitos intelectuais. Motorista de veiculos, atendentes, call center, bancarios, caixa, etc… A IBM ja tem um software que responde questoes juridicas com 90% de acerto.
As cetrais sindicais, partidos politicos, jornalistas sao as pessoas menos recomendadas para ditar as regras que precisamos hoje para entrentar o novo mundo, estamos no inicio de uma revolucao muitissimo maior que a industrial, 10x maior em termos de mudancas sociais e daqulio que realmente tem valor.
Commodities, area para plantar, recursos naturais nao é mais riqueza. A riqueza é a educacao, matematica, fisica, biotecnologia principalmente. Assim os jovens hoje de 20 anos devem ter educacao financeira e quem tem entre 40 a 60 anos pode ter certeza absoluta, se nada mudar hoje nao terao sua aposentadoria integral, chegara a menos de 30%. Isso é matematica. Esta na hora de parar com este negocio de direito adquirido. Isso nao existe em economia.
Muito bom o texto, simples e claro.
Obrigada, Lívia!
Abs
HB
exatamente, simples e claro. É um texto didático para mostrar o que a estatística pode mostrar (ou esconder).
Embora eu ache que a proposta de reforma de fato tem alguns problemas – principalmente, o corte muito forte na regra de transição (poderia-se ter um modelo mais escalonado) e os 50 anos de serviço para se chegar ao valor total da aposentadoria – entendo que alguns argumentos dados pelos que se opõem a proposta são ingênuos ou desonestos. Para começar, o “mito do trabalhador braçal”: nas regiões mais pobres esse pessoal não tem tempo em carteira para se aposentar, sequer pelas regras atuais! Na prática eles caem no BPC, portanto a mudança na idade mínima deste último tem um impacto maior que a alteração nas regras de aposentadoria. Parece que os analistas ignoram o nível de informalidade desses setores, justamente nas regiões mais pobres e com menor expectativa de vida. Quem vai “perder” mais com o limite de 65 anos é o pessoal do setor público e alguns profissionais da iniciativa privada – e eu cansei de ver pessoas nesse nível se aposentando com pouco mais de 50 anos, mesmo tendo plenas condições de trabalhar por mais tempo.
Além disso, medir a qualidade de um marco legal pelo número de reuniões que o governo teve com o grupo A ou B parece mais jogar para a plateia que qualquer outra coisa – o modelo adotado pelo Brasil está muito longe do que foi feito no Chile, em que a previdência foi totalmente privatizada. A previdência privada tem crescido porque os bancos estão tentando empurrar PGBL e VGBL de todo jeito para os clientes, já que os fundos estão sofrendo forte concorrência do Tesouro Direto, além das corretoras independentes que também estão cada bez mais agressivas na sua competição com os bancos.
Por último, também acho complicado pegar o índice de sobrevida a partir dos 20 anos, uma vez que a mortalidade por conta da violência ainda é significativa até pelo menos os 25 – isso joga a média para baixo, obviamente, e explica grande parte da diferença entre homens e mulheres. Gostaria de ver os índices de sobrevida a partir dos 30 anos, que me parecem os mais relevantes para uma discussão como essas…
Marcos, obrigada pelo seu retorno.
Sobre o trabalhado braçal, estamos nos referindo mais especificamente a trabalhadores rurais. Até agora, eles estão em outra categoria de aposentadoria. Esse texto do próprio governo explica bem como funciona hoje: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/11/aposentadoria-especial-para-trabalhador-rural-esta-assegurada-com-novas-regras
Sobre o número de reuniões que o ministro teve com os grupos de interesse, isso vai da interpretação de cada um. Se a você não incomoda, a mim parece injusto ele dar mais atenção a um grupo do que a outro. Mas respeito sua opinião.
Sobre Tesouro Direto, aguarde mais novidades em 2017. Espero poder escrever sobre isso em breve.
E a escolha dos 20 anos foi por se tratar da idade em que muitos jovens estão entrando no mercado de trabalho.
Se tiver mais algo em que eu possa ajudar, é só dar o toque.
abs
HB
É o horror! Não precisa ser gênio pra ver a crueldade explícita nessa história. Vc corta cana desde a sua adolescência. Vc aguenta chegar aos 65 trabalhando? E um colunista da Zero Hora escreve que não vê o trabalho como um castigo de que a aposentadoria nos vem salvar. No caso dele, talvez não seja um castigo, mas deveria ser uma vergonha.
Ana, no caso dele não deve ser castigo. Algumas pessoas, eu me incluo nesse grupo, tiveram o privilégio de poder escolher com o que trabalhar.
Mas o privilégio é cego… nem todos percebem que sua realidade não é a mesma de outras pessoas.
Abs
HB
Também acho a proposta miserável e covarde, mas o título foi um pouco infeliz. Os dois lados mostrados foram; um contra e um mais contra ainda. Mesmo achando absurdos os argumentos a favor, pra valer o título, eles deveriam estar presentes. né não?
Derli, eu entendo sua questão de interpretação.
A ideia era mostrar o lado que ganha e o lado que perde, por isso “os dois lados”.
Valeu o toque!
Abs
HB
Muito Bem, mais um autor q vai pra lata do lixo. Já joguei fora um livro de direito constitucional do Alexandre de Moraes, um de direitos humanos dá Flávia Piovesan e agora, senhor Marcelo Caetano, é chegada sua hora, o lixo dá história, é isso q o futuro o reserva. Vc pode ser conservador em economia, como a escola de Chicago, eu respeito isso. Porém, desonesto, isso não. Qualquer reforma em previdência no mundo é necessária por conta da natural mudanca no perfil da populacao, mas certamente suas bases devem ser testadas pelo povo e suas motivações devem ser verdadeiras. Não é o que está ocorrendo no Brasil!
Há uma informação errada no artigo. Os 49 anos de contribuição não é para receber o teto, e sim para que não haja redução no valor da aoosentadoria, seja ele qual for. A divulgação desta informação errada é o que o governo golpista quer pois a verdade é bem pior do que parece. De acordo com a reforma proposta receber o teto da previdência é praticamente impossível.
Joao, desculpa, mas não estou encontrando o fragmento do texto ao qual você está se referindo. Nós não mencionamos os 49 anos, nem o teto.
Você poderia apontar o trecho ao qual se refere, por favor? Só para podermos verificar a informação e corrigir, se necessário.
Obrigada
Abs
HB
acho que está no quadro explicativo ao lado do texto
O artigo indica corretamente que o problema e que a expectativa de vida cai drasticamente em regioes mais pobres do Brasil. No entato, imagino que esta camada mais pobre da populacao provavelmente nao vai estar comprando produtos de previdencia privada. Portanto, nao entendi porque o artigo conecta as duas coisas.
Acho que eh mais provavel que o aumento registrado no interesse em produtos de previdencia privada esteja vindo da classe media e alta. Ou seja, pessoas que vao viver bem mais do que 65 anos mais que talvez por outras razoes se sentem afetados pela reforma.
Penso que o artigo pretende mostrar q a motivação para a reforma pode não ser puramente estatística e atuarial. A agenda do ministro denota q atender os fundos de pensão não é um problema naquela pasta. O paradoxo está exatamente aí, uma vez q eu crio regras previdenciárias q vão tornar quase impossivel boa parte da população usufruir da previdência, então, os únicos realmente beneficiados serão os da previdência privada, já q a população, consciente de que não terão amparo do INSS, serão compelidos a optar pela previdência privada.
esse governo de temer é governo diabólico veio acabar com a classe pobre
De fato, não há nenhuma preocupação com as classes pobres deste governo. A agenda deles e claramente de arroxo salarial, ajuste fiscal, congelamento de gastos com direitos sociais, violação de direitos civis e políticos, estímulo ao estado policial, segregação de classes e aprofundamento das desigualdade social e regional, tudo q a constituição veda e tudo q o supremo deveria proteger, mas acaba vendando os olhos.
Oi Matias,
A ideia do artigo era mostrar os dois lados: quem perde e quem ganha com a reforma da previdência.
Os dois estão diretamente opostos. Por isso colocamos lado a lado, para evidenciar que algumas pessoas sofrem muito e outras lucram.
Abs
HB