Após a morte do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki em um acidente de avião em Paraty, o mundo jurídico atenta para quem será o substituto que herdará seus processos – entre eles a bombástica delação da Odebrecht, que estava prestes a ser homologada pelo ministro. Citado 43 vezes na primeira das 77 delações da empreiteira, o presidente Michel Temer afirma que em breve terá o nome de um indicado ao STF “para chamar de seu”, e com características à altura de Teori, um perfil técnico e sem vinculação partidária.
A delação da Odebrecht pode fazer um arrastão no mundo político. Membros do governo e o próprio Michel Temer citados. Quem sobrou? pic.twitter.com/EtUkK8oLhm
— George Marques (@GeorgMarques) December 10, 2016
The Intercept Brasil procurou juristas, professores e associações para entender se há alguma implicação no fato de o presidente ser citado nas delações da Lava Jato e o responsável pela indicação do novo ministro. Além de Temer, o Senado Federal, também extensamente citado nas delações, precisa ratificar o nome do novo integrante do STF.
Teori era o relator da Lava Jato no Supremo, função que permite interferir nos processos decorrentes da operação, validar provas, delações, entre outras responsabilidades. A presidente da Corte, Cármen Lúcia, já autorizou que os auxiliares do ministro continuem tocando os depoimentos de homologação das delações da Odebrecht e deve decidir nos próximos dias quem assumirá a relatoria.
De acordo com a Constituição, o indicado pelo presidente precisa ter mais de 35 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. O Senado funciona como a Casa de controle das indicações por parte do chefe do poder Executivo, que segue o seguinte trâmite: indicação pelo presidente da República, sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, aprovação do nome pelo plenário do Senado.
“Esta é uma situação paradoxal para qual não se tem saída mesmo. Temer vai indicar o novo ministro e os senadores irão sabatiná-lo. É o que diz a constituição.”
Professor da Universidade de Brasília (UnB), Argemiro Cardoso lembra que após a promulgação da Constituição de 88 o Senado nunca rejeitou um nome indicado pelo presidente. “É um jogo de cartas marcadas. Aqui no Brasil há também a costura política por trás. Quando chega o dia da sabatina, já está tudo resolvido”, alfineta. “A Presidência e o Senado estão todos no mesmo barco, todos eles estão citados na Lava Jato. Então, realmente, esta é uma situação paradoxal para qual não se tem saída mesmo. Temer vai indicar o novo ministro e os senadores irão sabatiná-lo. É o que diz a Constituição”, pondera.
Segundo o professor da Faculdade de Direito da UnB Paulo Blair, não há previsão constitucional de que, mesmo citado em delações premiadas, o chefe do poder Executivo se abstenha da indicação. “Cria-se uma situação de desconforto com isso, mas da indicação à votação será uma sessão pública e com ampla cobertura da imprensa. Qualquer membro que deixar transparecer viés de interesse pessoal receberá uma crítica pública e intensa”, afirma.
Blair diz ainda que há algumas prerrogativas que protegem um ministro do STF da captura de outros interesses políticos ou até econômicos: “as garantias dadas a um ministro do STF, como vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos, orçamento próprio para o STF, por exemplo, são de tal ordem que, se uma pessoa abriga esperança que o seu indicado vá se sentir grato para ‘retribuir o favor’, essa esperança é ingênua e inútil”. O professor cita o exemplo do ex-ministro Joaquim Barbosa, indicado por Lula e conhecido pela rigidez de sua decisões contra a cúpula do partido do governo na ação penal 470, conhecida como Mensalão Petista.
Representante da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso defende que um magistrado de carreira substitua o ministro Teori Zavascki. “Com a morte de Teori a Justiça Federal ficou sem representante. A Ajufe tem a posição de que um magistrado federal de carreira seja nomeado”, diz. Segundo Veloso, a associação está elaborando uma lista tríplice de nomes para encaminhar a Temer até o dia dia 31 de janeiro.
Heyder Ferreira, vice-presidente da Associação Magistrados Brasileiros (AMB), também defende mudanças na forma de indicação dos ministros do Supremo e que pelo menos um terço das vagas seja destinado a juízes de carreira: “Já se teve uma tentativa de modificação das indicações para o STF. Agora, vindo essa situação, [Temer e senadores citados em delações premiadas] com a sociedade visualizando esse problema da forma como se faz, a escolha é para voltarmos a discutir o tema sobre a forma de escolha”, pontua.
Professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), Paulo Henrique Perna Cordeiro comenta sobre o perfil para o STF: “temos um princípio constitucional da presunção da inocência e da separação e harmonia dos poderes. Se a Constituição deu a competência da indicação para a presidente, e o julgamento desse nome para o Senado, ela deu em homenagem ao princípio da harmonia dos poderes”, explica.
O professor menciona ainda que a disposição de Michel Temer de só apresentar um nome após Cármen Lúcia definir quem será o novo relator da Lava Jato “protege” uma possível influência do nome indicado. “O STF, ele não é só Lava-Jato. Obviamente é a ação em que tem uma maior dimensão do ponto de sua divulgação. A morte do ministro Teori não vai paralisar a operação”, finaliza.