Uma das primeiras medidas tomadas pelo presidente Donald Trump quando assumiu a Casa Branca foi impedir temporariamente que diversas agências federais usem o Twitter.
Em resposta, supostos funcionários do governo criaram um onda de contas de Twitter alternativas que compartilham fatos verdadeiros (não confundir com “fatos alternativos”, também conhecidos como “mentiras”) sobre mudanças climáticas e ciência. Em geral, os administradores das contas optaram por se manterem anônimos, temendo represália — mas, dependendo de como eles criaram e usam as contas, eles não estão necessariamente anônimos para o Twitter ou para quem o Twitter compartilha seus dados.
A expressão anônima de ideias é protegida inequivocamente pela Primeira Emenda da Constituição americana e pela Suprema Corte dos EUA. Além disso, sua história começa com três dos fundadores dos EUA que escreveram a obra O Federalista, entre 1787 e 1788, sob o pseudônimo Publius.
Mas a capacidade técnica de se manter anônimo na internet, onde qualquer resquício de dados é meticulosamente monitorado, é um problema completamente diferente. O FBI, agência de inteligência doméstica dos EUA que abusa do poder de espionar qualquer pessoa mesmo sem que haja suspeita — e que tem um histórico antigo e obscuro de violação de direitos de americanos — agora responde diretamente ao presidente Trump, um líder autoritário, obcecado por vingança, com absoluto desprezo pelo poder Judiciário e pelo Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, o quanto é fácil criar e manter uma conta de Twitter preservando seu anonimato, inclusive em relação ao próprio Twitter e às agências de segurança que podem solicitar seus registros? Tentei descobrir a resposta para essa pergunta e documentei a pesquisa. Há diferentes formas de se manter anônimo. Se você planeja seguir essas orientações, tenha certeza de que compreende sua finalidade, caso precise improvisar. Também não posso garantir que essa técnica protegerá seu anonimato — as coisas podem dar errado por diversos motivos, muitos deles no âmbito social, em vez do técnico. Mas espero que você tenha pelo menos alguma chance de manter sua identidade em segredo.
Para esse exercício, optei por um tópico político extremamente controverso: fatos. Acredito que o que sabemos sobre a realidade é baseado em evidências que podem ser analisadas de forma objetiva. Por isso, criei uma conta de Twitter completamente anônima (até a publicação desse artigo, é claro) chamada @FactsNotAlt. Veja aqui como isso foi feito:
Antes de começar, precisamos definir um modelo de ameaça, isto é: o que precisamos proteger; de quem precisamos proteger; quais são suas capacidades; e que medidas evitariam ou atenuariam essas ameaças.
Basicamente, é impossível se manter completamente seguro o tempo todo, portanto, precisamos priorizar nossos limitados recursos para proteger o que for de maior importância. A informação mais importante a ser protegida nesse caso é sua identidade real.
As agências de segurança e o próprio FBI podem abrir uma investigação para descobrir sua identidade. Isso pode ser usado contra você — resultando em sua demissão, acusação criminal ou algo ainda mais grave. Essa conta de Twitter também pode incomodar exércitos de trolls que podem ameaçá-lo, atacá-lo com discurso de ódio e tentar descobrir sua identidade por conta própria.
Se o FBI abrir uma investigação para descobrir sua identidade, uma das primeiras medidas que tomará será pedir seus dados para o próprio Twitter — e para todas as outras redes sociais que você usa. Portanto, medidas de proteção importantes devem ser tomadas, como se certificar de que as informações vinculadas à sua conta — números de telefone, endereços de e-mail e endereços de IP — não levem até você.
Isso serve para todas as contas que você criar. Por exemplo, se você fornecer um número de telefone ao criar sua conta do Twitter, a operadora associada ao número não deve ter informações que possam levar até você.
Outra preocupação: o FBI também pode operar de forma disfarçada na internet e tentar estabelecer uma amizade para que você revele suas informações ou para enganá-lo por meio de um link falso e, assim, hackear sua conta. Eles também podem usar informantes infiltrados na sua comunidade de seguidores no Twitter. Trolls organizados podem fazer uso das mesmas táticas.
O endereço de IP é um conjunto de números que identifica um computador ou uma rede de computadores na internet. A menos que você tome medidas extraordinárias, todos os sites que você visita têm acesso ao seu endereço de IP. Se você estiver conectado ao Twitter usando o Wi-Fi de sua casa ou escritório, ou usando o plano de dados de seu celular, o Twitter sabe sua localização. Se eles passarem esses endereços de IP para o FBI, você perderá seu anonimato.
É aí que o Tor entra em cena. Ele é uma rede descentralizada de servidores que ajuda a contornar a censura na internet, a evitar a vigilância on-line e a acessar sites de forma anônima. Caso você entre em sua conta usando o navegador Tor, o Twitter não saberá seu endereço de IP real — em vez disso, verá apenas o endereço de IP de um dos servidores aleatórios do Tor que são administrados por voluntários. E mesmo que um desses servidores seja maligno, não será possível determinar quem você é ou o que você está fazendo.
Esse é o maior benefício que o Tor oferece em comparação com as Redes Privadas Virtuais (VPN – Virtual Private Network), serviços que tentam ajudar usuários a ocultarem seus endereços de IP. O FBI pode solicitar o seu endereço de IP real a um serviço de VPN (caso a VPN armazene registros dos endereços de IP de seus usuários e coopere com esse tipo de pedido). Isso não é possível com o Tor.
Para começar a usar o Tor, faça o download do Tor Browser. Trata-se de um navegador de web, como o Chrome ou o Firefox, mas todo o seu tráfego será roteado através da rede Tor, ocultando seu endereço de IP real.
O Tor é a forma mais fácil de começar, mas o navegador não é perfeito. Por exemplo, um hacker que conheça uma vulnerabilidade no navegador Tor pode descobrir seu endereço de IP verdadeiro induzindo você a visitar um site que ele controla e explorando essa vulnerabilidade — o FBI já fez isso no passado. Por isso, é importante sempre atualizar o navegador Tor imediatamente após ser solicitado.
Você também pode se proteger das falhas de segurança do Tor usando um sistema operacional desenvolvido para proteger seu anonimato, como o Tails ou o Qubes com Whonix, (já escrevi sobre o segundo aqui). Será mais trabalhoso, mas deve valer a pena. Eu, particularmente, uso o Qubes com Whonix.
Antes de criar praticamente qualquer tipo de conta on-line, você precisa de um endereço de e-mail. Enquanto os serviços de e-mail mais populares, como Gmail ou Yahoo Mail, permitem que qualquer um abra uma conta gratuita, não é fácil fazê-lo de forma anônima. A maioria deles exige que sua identidade seja verificada por meio de um número de telefone. Na verdade, isso pode ser feito de forma anônima (mais informações abaixo), mas prefiro usar um provedor de e-mail que ofereça e-mails para usuários anônimos.
Um desses provedores é o SIGAINT, serviço que funciona apenas na darknet e força todos os usuários a entrarem apenas usando o Tor para ler ou enviar emails. Esse provedor de e-mails é administrado de forma anônima e contém anúncios para sites da darknet (por vezes, extremamente suspeitos). No entanto, você obtém um endereço de e-mail funcional e anônimo.
(O serviço SIGAINT parece estar fora do ar no momento. Mas, enquanto isso, você pode experimentar o Riseup, citado abaixo, ou comprar um telefone descartável e usar o ProtonMail, Gmail ou outro serviço de e-mail.)
Se preferir não usar o SIGAINT, outra opção interessante é o Riseup, um coletivo tecnológico que oferece e-mail, lista de e-mails, VPN e outros serviços semelhantes para ativistas de todo o mundo. As contas são gratuitas e não é preciso fornecer nenhuma informação pessoal, mas é preciso ser convidado por dois amigos que já usem o serviço para poder criar uma conta.
Outra opção é o ProtonMail – provedor de e-mails com foco em privacidade baseado na Suíça que exige um mínimo de informações pessoais e funciona bem com o Tor. Porém, para evitar abusos, o provedor pede que usuários do Tor forneçam um número de telefone (que promete não armazenar) para que recebam uma mensagem de texto durante a criação da conta. Portanto, se optar pelo ProtonMail (ou qualquer outro provedor de e-mail que exija um número de telefone para criar contas com o Tor), siga as instruções abaixo para criar um número de telefone anônimo.
Eu escolhi o SIGAINT. Usando o navegador Tor, visitei o endereço onion do SIGAINT, sigaintevyh2rzvw.onion, encontrado no site do provedor. Trata-se de um tipo especial de endereço da web que funciona apenas com o navegador Tor, e não funciona na internet normal. Lá, preenchi um formulário para criar uma conta nova.
Pronto. Está criado meu novo endereço de e-mail anônimo: [email protected]
Ao tentar criar uma conta no Twitter, logo encontrei um problema: mesmo que eu forneça um endereço de e-mail, o Twitter não me permite criar uma conta nova sem que meu número de telefone seja verificado. (Você pode ter sorte e receber a opção de pular a verificação de telefone — vale a pena tentar — mas caso esteja usando o Tor, é pouco provável que isso aconteça.)
Isso constitui um problema, já que não posso usar meu número de telefone verdadeiro se quiser permanecer anônimo. Ou seja, para prosseguir, precisei descobrir uma forma de obter um número de telefone que não esteja associado à minha identidade real. Esse é um problema recorrente ao tentar permanecer anônimo na internet, então fique à vontade para usar essas instruções sempre que precisar de um número de telefone para abrir uma conta.
Há outras formas de fazer isso, mas optei por um método conceitualmente simples: comprar um telefone descartável, usá-lo para verificar minha nova conta no Twitter e descartá-lo. Visitei lojas de conveniência e farmácias no centro de São Francisco até encontrar o que estava buscando em um 7-Eleven.
Comprei o aparelho TracFone (um telefone convencional LG 328BG, e não um smartphone) mais barato que pude encontrar em dinheiro vivo, além de 60 minutos de chamadas por US$ 62,38, incluindo impostos. É possível encontrar aparelhos mais baratos do que isso se procurar com calma.
Se você quer se manter anônimo ao comprar um telefone descartável, considere as seguintes recomendações:
Após adquirir o serviço, é preciso ativar o telefone. Esse processo varia dependendo da operadora. A TracFone exige que você ative seu aparelho ligando para um número de telefone a partir de outro aparelho — obviamente, uma péssima opção para quem está tentando se manter anônimo — ou ativando o aparelho no site da operadora. Eu ativei meu telefone descartável usando o navegador Tor.
Depois de ativar seu telefone, use o menu do aparelho para descobrir seu novo número de telefone. No meu LG 328BG, pressionei Menu, selecionei Configurações e, em seguida, Informações do telefone para obtê-lo.
Finalmente, munido de um endereço de e-mail e número de telefone que não estão associados à minha identidade verdadeira, já posso criar uma conta no Twitter.
Antes de criar sua conta, leve seu laptop e telefone para um local público que não seja sua casa ou escritório, como um café. Chegando no local, ligue seu telefone descartável. Lembre-se de que esse local agora está associado ao seu telefone descartável, portanto, talvez seja uma boa ideia realizar essa etapa quando estiver visitando outra cidade.
Usando o navegador Tor, visitei https://twitter.com/signup e criei uma conta nova. O formulário de conta nova solicitou meu nome completo (“Facts Are True”), meu endereço de e-mail ([email protected]) e uma senha.
Após clicar em “Inscreva-se”, meu número de telefone foi imediatamente solicitado. Inseri meu número de telefone anônimo e cliquei em “Telefonar para mim”. Um robô do Twitter ligou para meu telefone descartável e ditou seis números que usei na página seguinte do navegador Tor. Tudo funcionou perfeitamente.
Depois de concluir a etapa de verificação do meu número, desliguei o telefone descartável. Quando tiver certeza de que não precisa mais de seu telefone, é recomendável descartá-lo.
Ao fim do processo de inscrição, o Twitter pede um nome de usuário. Após muitas tentativas, encontrei um que me agradou: @FactsNotAlt. Depois de passar pela tela de boas-vindas, finalmente estava conectado à minha nova conta anônima.
Fui em frente e confirmei que controlo o endereço de e-mail [email protected]
E pronto. Configurei minha conta nova e comecei a postar informações verdadeiras.
Se estiver acompanhando as etapas, você já deve ter uma conta do Twitter completamente anônima. Parabéns! Mas o trabalho apenas começou. Agora, vem a parte complicada: manter essa conta por meses, ou anos, sem cometer nenhum deslize que possa comprometer sua identidade. Eu não vou precisar seguir essas recomendações com a conta @FactsNotAlt porque acabei de revelar minha identidade. Mas, se você deseja manter anonimamente uma conta popular de Twitter, veja a seguir algumas informações a serem consideradas.
Seja cuidadoso na interação com outras pessoas:
Compartimentação:
Muitas contas de Twitter bem-sucedidas têm uma equipe inteira por trás delas, em vez de apenas uma pessoa. Se você for parte de uma equipe como essa ou estiver pensando em compartilhar o acesso à sua conta com outras pessoas:
Por fim, tenha em mente que, depois de tudo isso, o Twitter pode fechar sua conta por motivos próprios. E, se sua conta for hackeada e o endereço de e-mail associado a ela for alterado, não será possível recuperá-la.
Boa sorte!