“Tem muita gente falando muitas mentiras a respeito da Previdência”, alerta logo de início o vídeo “Minuto da Previdência” produzido pelo governo federal. Publicado no canal do YouTube “Portal Brasil” no dia 13 de abril e replicado em canais de televisão desde então, o vídeo afirma que uma das falácias disseminadas seria a necessidade de trabalhar 49 anos para ter aposentadoria integral. “Mentira pura!”, afirma categoricamente a apresentadora. Cinco dias depois, no entanto, um documento produzido pela equipe do deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator da reforma, propunha a redução dos tais 49 anos para 40 anos. O vídeo — e o constrangimento — permanece no ar.
Com inspiração na peça produzida pelo governo, The Intercept Brasil elencou 10 argumentos usados pelo governo para defender a proposta de Reforma da Previdência apresentada por ele e convidou a professora Denise Lobato Gentil, do departamento Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especializada em Macroeconomia e Economia do Setor Público, para comentar cada um. Os argumentos foram todos tirados de discursos e entrevistas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Para fazer uma projeção segura, é necessário trabalhar com uma margem de erro, e não tratar os números com determinismo, como faz o ministro. A professora cita o exemplo do Banco Central estipulando a inflação prevista para um ano: “Ele diz ‘vai estar entre…’ e aí estabelece um intervalo de confiança. Se acerta naquele intervalo, está cumprindo a meta”. Já a proposta da Reforma da Previdência não faz isso: o ministro dá um número com exatidão até nos décimos.
Previsões econômicas também costumam apresentar, pelo menos, três “cenários possíveis”. Isso é feito para se abranger possibilidades de crises ou de melhoras no plano econômico. O governo trabalha com apenas uma possibilidade.
A especialista afirma que é necessário investigar a raiz do problema em cada estado e que o “discurso oficial” — todos estão endividados por questões previdenciárias — joga a culpa sobre quem não foi responsável pelos problemas.
Ela cita como exemplo o Rio de Janeiro, que considera o mais encrencado: “Dizer que o estado está quebrado é de fato uma platitude, se você não disser quem causou”. E explica que o maior problema foi o Fundo de Previdência dos Servidores Públicos ter sido “desfalcado” pelo governo Sérgio Cabral (PMDB-RJ).
Duas saídas estratégicas sugeridas para a crise do Rio foram a suspensão da dívida do estado com a União e a revisão de desonerações concedidas em impostos, como o ICMS e o IPVA.
Em países europeus existe uma idade mínima e uma idade de referência: “A mínima é aquela em que um europeu pode se aposentar sem ganhar a aposentadoria integral, com 57, 58 ou 59 anos. A idade de referência que é 65 anos”. O governo brasileiro quer “tomar atitudes” ainda mais “dramáticas”, elevando a idade mínima aos patamares daquela usada como referência em outros países.
Muitos também estão revendo as regras de aposentadoria escritas depois de 2008, mas para diminuir as exigências. Na França, os dois candidatos que foram para o segundo turno falam em rever o tempo de contribuição exigido. No Japão, ele foi reduzido de 25 para 10 anos recentemente.
Por último, Lobato lembra que a presidente do FMI, Christine Lagarde chamou a atenção do ministro Henrique Meirelles em Davos (Suíça), durante o Fórum Econômico Mundial. Após uma apresentação de Meirelles sobre o ajuste fiscal e a Reforma da Previdência, Lagarde afirmou que a prioridade deveria ser combater as desigualdades sociais e alfinetou: “Não sei por que as pessoas não escutaram (que a desigualdade é nociva), mas, certamente, os economistas se revoltaram e disseram que não era problema deles”.
No curto prazo, a maior possibilidade, segundo a professora, é que a reforma agrave a situação da Previdência, “porque a gente já sabe que, ao anunciar a Reforma da Previdência, houve uma corrida às aposentadorias”. Ela ressalta que os aportes em previdências privadas aumentaram em 2016 e que devem continuar a subir em 2017.
No longo prazo, Lobato explica que a reforma vai desestimular o recolhimento do benefício, porque as pessoas acharão que não conseguirão contribuir o suficiente para se aposentar e, por considerar que nunca alcançarão os requisitos, vão desistir de contribuir: “Elas vão preferir contribuir com um plano privado. Aliás, esse é o projeto: estimular os fundos privados de aposentadoria”.
Outro fator que puxa a receita da previdência para baixo, no curto prazo, é o desemprego. Foram encerrados 1.3 milhão de postos de trabalho em 2016 e, em janeiro e fevereiro, os índices continuaram aumentando. Com a perda de empregos, a receita tende a cair. No longo prazo, a Lei de Terceirização pode complicar ainda mais esse cenário, com a transformação de muitos trabalhadores em Microempreendedores Individuais (MEI), que contribuem menos para a Previdência.
Em primeiro lugar, a nova aposentadoria não desprezará mais, no cálculo do valor a ser pago, os 25% da contribuição referente aos menores salários do trabalhador. Será feito com base na média do valor total contribuído. Isso significa incluir o período em que o trabalhador recebia um salário baixo e, portanto, puxa a média para baixo.
Para o trabalhador com menor renda, porém, a situação é ainda mais perigosa porque, em geral, são trabalhadores informais. A professora lembra que a taxa de informalidade no Brasil é superior a 40%: “você tem aí muita gente que sequer receberá um benefício previdenciário. O governo não fez nenhuma reforma para incluí-los, o que já é um equívoco”.
A juventude do nordeste e da periferia das grandes cidades será a mais afetada e mais empobrecida. A expectativa de vida dos homens do nordeste e do norte é muito mais baixa do que no sudeste, em muitas cidades das duas regiões, não chega aos 65 anos. Quando o governo exige uma idade mínima de 65 anos, “ele tá dizendo para uma grande parte da população brasileira pobre que ela não se aposentará”.
Segundo a professora, a frase está correta, mas deve ser relativizada. Grande parte das pessoas mais pobres se aposenta por idade porque não consegue comprovar 15 anos de contribuição. Ela aponta, no entanto, que muitos continuam trabalhando na informalidade, recebendo paralelamente aposentadorias equivalentes a um salário mínimo.
Dados do IBGE indicam o contrário. Na Pnad de 2015, mulheres em cargos de chefia ou direção recebiam 68% do que era pago aos homens na mesma posição. E o pior: o índice apresentado é inferior ao registrado dez anos antes: em 2005, a remuneração das mulheres no alto escalão equivalia a 71% do que era pago aos homens.
De acordo com um estudo do Fórum Econômico Mundial publicado em novembro, a igualdade salarial entre os gêneros no mundo só será alcançada daqui a 169 anos.
A professora ressalta que as mulheres negras recebem menos de 40% do salário médio de um homem branco e, as brancas, 70% do salário de um homem branco.
Ela lembra que 64% das aposentadorias por idade são de mulheres. E explica que elas não conseguem comprovar os 30 anos de contribuição necessários para se aposentarem por tempo de contribuição. Lobato lembra que os índices de participação das mulheres no mercado formal ainda é muito baixo. Isso é o que dificulta a comprovação da contribuição.
Lobato é uma dos vinte especialistas reunidos para escrever o livro “A Previdência Social em 2060: As inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo brasileiro”, que desmontou o modelo de cálculo utilizado para estruturar a proposta de Reforma da Previdência.
Ela explica que a base do trabalho é a Constituição Federal de 1988. Segundo a Carta, a seguridade social garante um Sistema Único de Saúde universal, benefícios assistenciais para aqueles que não conseguem contribuir e uma previdência digna, que não pode ser inferior ao salário mínimo, para aqueles que não conseguem retornar ao mercado de trabalho. “A conta que você faz é pegar todas as receitas que estão asseguradas na Constituição Federal como vinculadas à seguridade social e colocá-las a serviço das despesas da seguridade social”, ensina a professora.
Além desta conta, Lobato lembra que há, ainda, os desvios feitos com base na Lei de Desvinculação de Receitas da União (DRU). Ela explica que o governo Michel Temer, em julho de 2016, aumentou o percentual de desvinculação de receitas da União — dinheiro desviado do fundo previdenciário para outros fins — de 20% para 30%.
“E há também um enorme espaço para combate aos devedores da dívida ativa”, conta Lobato. Ela cita um estudo da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que mostra que R$ 100 bilhões são de recuperabilidade fácil. A economista lembra que estima-se que as sonegações por parte das grandes empresas representem 27% da receita da previdência. “É uma coisa assombrosa, o governo de um lado desonera de forma estratosférica: R$ 283 bilhões por ano é o valor da desoneração no Brasil. Não persegue os devedores e ainda quer fazer um ajuste fiscal pelo lado do gasto, ou seja, nas costas da população mais pobre”.
Lobato faz parte de um grupo de economistas, matemáticos, engenheiros e analistas que estão fazendo uma avaliação criteriosa sobre o novo modelo de cálculo apresentado pelo governo. Segundo os resultados mais recentes das simulações feitas a partir dos dados entregues pelo próprio governo — de acordo com os valores previstos para a inflação e o salário mínimo, por exemplo —, o poder de compra da aposentadoria irá cair:
“As curvas do poder de compra dessas aposentadorias são todas decrescentes, conforme os próprios cálculos do governo. Há uma queda na renda dos aposentados prevista no modelo atuarial do governo. É um modelo de empobrecimento.”
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Helena, eu estou completamente chocado. Compartilhei geral. Sou cearense e, de fato, a população que não vive próximo de grandes pólos, como Fortaleza tem uma expectativa de vida bem menor. Isso é desumano. Confirmo a informação de que a maioria se aposenta por idade por não ter como comprovar o tempo de serviço. Muitas empresas e prefeituras não chegam a lançar as contribuições.
CONCORDA? MULTIPLIQUE.
NÃO GOSTOU? ME BLOQUEIA.
SIMPLES ASSIM.
https://plus.google.com/111177053038005255158/posts/gVehZgteNiM
Excelente matéria, só vi um erro, no item 7: se aposenta por idade porque não consegue comprovar 15 anos de contribuição. Hoje, mesmo quem for se aposentar por idade tem que comprovar no mínimo 15 anos de contribuição.
Já estava achando a matéria excelente e quando cheguei no finalzinho e vi quem era a jornalista, não me surpreendi.
Helena, parabéns por essa excelente reportagem! Vocês do intercept tem feito um trabalho fenomenal de jornalismo. Esse é o melhor material que eu li do intercept BR desde que comecei a ler conteúdo de vocês a poucos meses. O vídeo é muito bom, e eu gostei muito dos comentários da entrevistada. Embora a Denise tenha sido pouco precisa em alguns momentos, você fez considerações adicionais que foram de grande valia. Tenha certeza que o seu trabalho tem feito diferença na vida das pessoas. São os seus leitores que agradecem :)
HB, eu só posso dizer uma coisa: você é foda! Parabéns pela excelente matéria!!!!
Haha! Muito obrigada! É sempre muito legal receber o retorno de leitores como você.
Abs
HB
Algumas coisas ficam claras nessa entrevista. Primeiro, o trabalho que a Helena Borges e “The Intercept Brasil” fazem: é tremendamente didático e elucidativo.
Depois, a leviandade do governo (algo já de se esperar) no trato da proposta de reforma previdenciária. Absurda a forma falseada, omissa e mentirosa com que os golpistas “informam” a sociedade. Mais, a estarrecedora parcialidade das políticas (se é que se pode chamar isso de política) em relação aos interesses da elite empresarial do país e a atrocidade cometida contra a classe trabalhadora e, principalmente, com os brasileiros que vivem em condição de insegurança alimentar, habitacional, profissional etc.
Por fim, como uma figura como a professora Denise Lobato Gentil, com uma fala tão segura e plena de conhecimento, não é ouvida nem que seja para discordar dela.
Estou compartilhando essa matéria/entrevista em todas as minhas redes sociais e grupos. Das que eu li em todos os veículos de imprensa, essa é a mais rica em informações. Parabéns!
Oi Fernando, muito obrigada!
É muito bom ter nosso trabalho reconhecido como uma contribuição de qualidade para a formação de opinião da sociedade.
Obrigada pelo reconhecimento e por compartilhar.
Abs
HB
O título do item 9 diz: “Esse argumento falacioso [de que não existe rombo]…”.
Não seria o contrário?
Oi, Clewerton, tudo bom?
Não é o contrário, não. Essa é uma frase do ministro Meirelles e ele considera “falacioso” dizer que não existe rombo.
Ou você foi sarcástico na sua pergunta? rs
Abs
HB
Clewerton, lembre-se que essa frase foi proferida por alguém com o intuito de fazer a defesa da reforma.
O texto da reportagem cita o RJ, o deputado estadual Paulo Ramos deu uma solução para o governo estadual, o RJ deve a união, empresários do RJ devem ao Estado ao mesmo tempo em que esses empresários possuem títulos da dívida da união, problema solucionado : Através da justiça os títulos da divida da união que estão com esses empresários que possuem divida com o Estado do RJ, devem ser passados ao Estado para pagarem essas dividas, esses títulos são tão grandes que o Estado do RJ poderia passar de devedor da união a credor da união, matéria interessante para os jornalistas do intercept abordarem com maior profundidade.
Olá, Gonzales,
Obrigada pela dica e pelo contato.
Não sei, no entanto, se isso é possível de se concretizar. Acredito que não seja tão simples quanto parece (infelizmente).
Falamos um pouco sobre os títulos públicos em outra matéria publicada há um tempinho. Não sei se você leu, mas aborda o interesse em manter os juros sobre os títulos em um nível interessante para os investidores. Tem, inclusive, uma fala da própria professora Denise Gentil: “há uma transferência dos salários para os juros, ou seja, dos assalariados para os rentistas”.
Caso queira conferir:
https://theintercept.com/2017/02/13/temer-prefere-atender-a-elite-financeira-a-adotar-medidas-eficazes-contra-desemprego/
Abs
HB
Lí e achei que a forma que eles propõem os assuntos é de uma visão estreita e puramente repetidora de argumentos falaciosos típicos de quem trabalha com banco. Mas lembro desses argumentos na década de 90, por conta da possibilidade de ” insolvência ” da divida a taxa básica de juros chegou a 45% para atrair ” investidores “, a venda das estatais (não acho que se deva ter aquele número elevado de estatais), tinha o argumento da eficiência funcional dessas empresas e que essa venda geraria recursos para serem aplicadas em educação e saúde. Em uma economia dolarizada , o resultado foi a quebradeira das empresas nacionaís resultando em menor arrecação e maior possibilidade de insolvência da dívida pública, mesmo com a taxa de juros altíssima que em tese deveria atrair ” investidores “, resultado : As reservas gerada pela venda das estatais e dos ” investidores ” simplesmente viraram pó, pq os especuladores financeiros especulavam o valor da moeda e o governo tinha que suprir as demandas por dólares no mercado, quanto mais o governo injetava dólares na economia, mais dólares eram retirados do país pelos ” investidores “, em 99 o governo chegou a perder 40 bilhões de dólares em 2 meses. Aquele dinheiro das estatais que seriam utilizados para educação e saúde viraram pó a venda das estatais não foi venda, foram repassados gratuitamente pelo governo, e o valor do salário mínimo era igual ao valor da cesta básica de alimentos, foi uma década miserável, para piora a situação agente tinha acesso a leitura de teses de sociólogos dizendo que a fome era um fenômeno natural.
Onde é possível obter os estudos da PGFN? Nos links não tem a informação colocada.
Oi, Ricardo,
O link apontava para o site do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), órgão que assina o estudo. Para facilitar, troquei pelo link direto para o PDF do estudo. E aqui vai a parte do texto do Sinprofaz relativa a essa fala a professora Lobato:
“Ainda que, da dívida total, se estime que R$ 52 bilhões já estão garantidos ou parcelados, restando R$ 380,9 bilhões
com possibilidade de serem recuperados pela União, e que desse total cerca de 40% apenas sejam efetivamente recuperáveis, a receita daí oriunda ultrapassaria R$ 152 bilhões – e estamos falando, apenas, da dívida ativa PREVIDENCIÁRIA.”
(a caixa alta no final é original do texto deles)
Espero ter ajudado a tirar sua dúvida.
Abs
HB
Tô. Compartilhando. Geral!
Onde é possível obter o vídeo completo?
Obrigado.
Duarte
Oi, Duarte,
Nós dividimos o vídeo para ficar mais fácil vocês acharem as respostas que mais interessam. Mas o conteúdo não foi retirado. A única coisa que cortamos foi a minha fala (até porque, o que interessa aqui é a fala da professora, né rs).
Não tem uma versão única, mas você pode ver em formato “playlist” aqui:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLcF1utTBm6aKkJcfV5hqnZMvRkgzajfAT
Espero ter ajudado!
Abs
HB
Inss deveria ser opcional. No maximo o Estado poderia obrigar os trabalhadores a ter algum tipo de previdência privada ou pública.