Uma sessão repleta de constrangimentos, vaidades e muita enrolação. É assim que podem ser definidos os primeiros passos do retorno, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do julgamento da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014. Em uma sessão inédita na história política do país, ficaram perceptíveis as divergências dentro do tribunal: de um lado, o presidente da Corte, Gilmar Mendes, e do outro, o ministro relator, Herman Benjamin protagonizaram cenas que ora deixavam a platéia constrangida, ora faziam a alegria da galera.
Nas duas primeiras sessões da retomada do julgamento, os ministros concentraram as discussões nas questões apresentadas pelas defesas de Dilma e Temer e que poderiam mudar o rumo do julgamento de alguma forma. Os advogados contestaram, por exemplo, a inclusão feita por Benjamin já na fase final do processo dos depoimentos de delação premiada de executivos Odebrecht na Lava Jato. Também questionaram inclusão das delações de João Santana e Mônica Moura, casal de publicitários responsável pela campanha da chapa de 2014.
“Só os índios não contatados da Amazônia não sabiam que Odebrecht fez delação.”
Os embates de até o momentos deixam clara a divisão da Corte entre os ministros que acompanham Gilmar (Napoleão Nunes Maia e Admar Gonzaga) e os que seguem o relator (Luiz Fux e Rosa Weber). Apesar de permanecer em silêncio em boa parte das duas sessões, Weber assentiu com a cabeça diversas vezes nos momentos em que Benjamin falava. Tampouco falou Tarcísio Vieira, que, indicado por temer para o posto na Corte eleitoral, ao que tudo indica dará o voto decisivo no julgamento.
Gilmar disse que o tribunal deve considerar o “grau de instabilidade” do país antes de enveredar por algum caminho.
Preocupado com os desdobramentos que uma decisão do TSE possa causar, Gilmar disse que o tribunal deve considerar o “grau de instabilidade” do país antes de enveredar por algum caminho. O ministro, que foi o relator da prestação de contas de Dilma aprovada pela Justiça Eleitoral, tentou puxar sardinha para a sua atuação ao relembrar que fora ele o responsável pelo voto que reabriu as investigações contra a chapa. “Modéstia à parte, só há ação pelo meu empenho, embora quem brilhe agora seja Herman”, disse. “Prefiro o anonimato. Processo em que se discute condenação de um ou outro não deve ter nenhum glamour pessoal”, espetou Benjamin.
As alfinetadas entre Gilmar e Benjamin chegaram ao ponto de constranger os presentes que acompanhavam a sessão. Depois de Benjamin sinalizar que deve votar pela cassação da chapa, Gilmar pediu a palavra e disse que o tribunal “cassa mais mandatos que a ditadura”. Diante da provocação, o relator rebateu: “As ditaduras cassavam e cassam quem defende a democracia. O TSE cassa quem vai contra a democracia”.
Ao término do segundo dia de julgamento, o advogado que defende Dilma Rousseff, Flávio Caetano demonstrou frustração na saída do TSE e disse acreditar que não deve haver pedido de mais tempo para analisar o processo. Ao The Intercept Brasil, Caetano contou que esperava ao menos que o relator apresentasse seu voto. “O resultado segue imprevisível. Mas amanhã, quinta, temos certeza que os ministros começarão a votar e a ação andará com mais rapidez”, assinalou.
Para Nicolao Dino, vice-procurador eleitoral, as provas colhidas durante o processo mostram que houve “abuso político e econômico” na campanha de 2014. O procurador sustentou ainda que a análise de tanto das provas orais como documentais, compartilhados da Lava Jato e do Supremo Tribunal Federal, evidenciam que a Odebrecht destinou recursos de caixa 2 para a chapa Dilma-Temer.
Nesta quinta-feira (8), o tribunal vai retomar o julgamento com a análise de uma das mais polêmicas questões preliminares das defesas: a divisão de responsabilidades em uma chapa eleita, mesmo que isso contradiga decisões anteriores do TSE.
Após três anos de um eterno terceiro turno eleitoral no país, o TSE pode por fim concluir o julgamento da chapa até o fim desta semana. Para o desfecho, o Tribunal marcou sessões para além dos dias normais: acrescentou na agenda encontros até para o sábado, 10. Resta saber se as excelências continuarão com suas brigas de ego ou apresentarão soluções para que este mesmo cenário não se repita nas próximas eleições.