O #EleNão vai além da polarização ideológica e introduz o gênero como um eixo central da luta antifascista. É um movimento sem precedentes no Brasil.
#Elenão entendeu: “É ingênuo pensar que quem já decidiu e declarou voto no Bolsonaro vai mudar de ideia porque viu o vídeo de uma manifestação ou uma hashtag na internet”, escreveu Fabricio Pontin no Intercept Brasil, em resposta a um chamado político de uma das autoras desta tréplica, Rosana Pinheiro-Machado.
Pontin está errado em muitos níveis. Mas a maior fragilidade do seu argumento é construir uma crítica cética a partir de algo que demonstra não ter entendido: o #elenão, movimento que descreve com ambivalência, ora como hashtag, ora como guerra de memes.
O que o momento pede é atenção para a participação das mulheres na política.
É incontestável que “Bolsonaro está na frente na guerra dos memes [e na guerra cultural]” e nós mesmas viemos alertando sobre isso há alguns anos. No entanto, o que está acontecendo não é uma guerra de memes – a guerra cultural segue em curso –, visto que a hashtag #elenão é cinco vezes maior do que seu contraponto, o #elesim. O feminismo é um movimento ascendente, e a misoginia que dominou as postagens do campo bolsonarista nos últimos 40 dias pode e deve ser entendida como backlash, um contra-ataque antifeminista.
Pontin parte de uma falsa de equivalência entre o #elenão e o #resistance dos EUA. Mas se existiu alguma movimentação por lá que se assemelhe a nossa – orgânica, suprapartidária e liderada por mulheres – foi a que começou no dia da posse de Trump, e que resultou num aumento expressivo de participação de mulheres nas eleições midterm, que ocorrem em novembro deste ano e contam com o maior número de candidatas na história do país para cargos executivos e legislativos. Algumas delas, socialistas como Alexandria Ocasio-Cortez.
#Elenão não é uma simples hashtag, mas um movimento extraordinário de base, capilar e microscópico, que ao mesmo tempo organiza um ato político e serve de ponto de convergência para outras movimentações de mulheres, online e face a face.
O convencimento de votos tem ocorrido nas conversas francas entre mulheres.
Nós temos acompanhado esse fenômeno como um experimento etnográfico desde que decidimos andar com a camiseta ou adesivo #elenão. Somos paradas por mulheres de todas as classes, raças e credos, que querem nos contar da conversa que tiveram com a avó bolsonarista que mora na cidade isolada, com a amiga de balada, com a chefe. É algo de uma força impressionante, que sequer conseguimos ainda descrever.
Somos nós, entre nós, para nós. E isso tem ocorrido no corpo a corpo, crescendo em uma onda de contágio que ainda não podemos dimensionar, e mobilizando, de forma horizontal e suprapartidária, mulheres que nunca antes se sentiram parte das discussões da esfera pública.
O #elenão, portanto, não é mera hashtag: é um fenômeno de politização das mulheres por meio de um profundo processo de rejeição do eleitorado feminino contra Bolsonaro – 50% de rejeição segundo a última pesquisa Ibope –, que compõe maioria do eleitorado brasileiro. O #elenão é parte de um continuum de ampliação da participação das mulheres no debate público, e pode crescer para muito além da recusa ao candidato do PSL.
Nosso argumento é justamente sobre o quanto o #elenão pode vir a ser esse algo inesperado.
Muitas coisas podem acontecer no dia 29. Não precisamos ir muito longe para lembrar que a solidariedade da população pode mudar de lado por uma faísca que pode desencadear um grande incêndio. Foi o que ocorreu em Junho de 2013, quando a repressão policial foi tanta que imagens da violência geraram comoção e identificação com as jornadas. Agora, mulheres estão profundamente mobilizadas, e qualquer elemento-surpresa pode vir a ser gatilho de um processo maior que pode, sim, ainda que remotamente, reverter em ganhos eleitorais.
A diferença do argumento distanciado de Pontin e do post de Pinheiro-Machado, e que agora se cristaliza nesta tréplica escrita a quatro mãos, é que nós escrevemos, neste momento histórico e político, para imaginar saídas e pavimentar um caminho para sair do buraco em que nos encontramos. O post engajado de Pinheiro-Machado que Pontin criticou era um chamado político, e esta resposta segue na mesma linha. Lembramos aqui que cada uma de nós pode mudar um voto, e que precisamos mostrar nas ruas nossa força contra o conservadorismo e o fascismo, a favor de nossas vidas, nossa liberdade, nossos sonhos. Juntas sonharemos e lutaremos, até o dia 7 (ou 28) de outubro.
Se nada disso se converter em ganho eleitoral, ainda assim não há motivos para pensar diferente ou manifestar nossa indignação de outra forma. Esta luta – que conta com hashtags e memes, mas não só, pois a estamos carregando com nossos corpos – não é sobre percentuais apenas. É sobre como nós, mulheres, estamos ocupando e reinventando a política.
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