Um manual para entender as revoltas ambíguas do século 21.
Tem sido assim nos últimos dias: acordo, acesso as redes sociais e metade dos meus amigos está dizendo que as manifestações dos “coletes amarelos” na França – os gilets jaunes – são de extrema-direita, fascistas e ajudarão a eleger Marine Le Pen, a deputada da Frente Nacional. A outra metade comemora a revolta popular e está contente que os 50 anos das agitações de 1968 não passaram despercebidos.
Nós já vimos esse filme. E ele não leva a lugar algum.
O julgamento sobre se os protestos são à direita ou à esquerda ocorreu também nas jornadas de junho de 2013 (e continua ocorrendo quando o assunto é interpretá-las) e também nos chamados “rolezinhos” de 2014. Em relação a esses últimos, lembro-me que, àquela época, boa parte da mídia nacional e internacional estava desnorteada tentando captar “o” significado dos jovens nos shoppings centers. Como a antropóloga Lúcia Scalco e eu estudávamos o tema, jornalistas nos contatavam e perguntavam: “os rolezinhos são políticos ou não são?” Nós respondíamos de forma padronizada “sim e não” e explicávamos que eram manifestações juvenis contraditórias que misturavam contestação política e pulsão capitalista hedonista.
No outro dia, para nossa frustração, víamos que os meios de comunicação haviam escolhido o sim ou o não. A Folha de S. Paulo e a The Economist, por exemplo, valorizaram a parte que os jovens queriam se divertir – e não mudança política. Já o El País espanhol e o Libération francês noticiavam o fenômeno com expressões de luta e rebelião contra a segregação. A discrepância que existia na cobertura era em si um novo fato a ser analisado, um sintoma de uma incompreensão maior acerca de novas formas de ação coletiva no século 21.
Quando estourou a greve dos caminhoneiros, Lúcia e eu estávamos em campo novamente, sentadas em uma cadeira de praia no lado dos caminhões estacionados e ouvindo, por exemplo, eleitores de Lula que seguravam uma faixa de intervenção militar e queriam “Fora Temer”, “revolucionar o país”, “preços justos para o povo”, mas que também diziam “quem sabe não voto nesse tal de Bolsonaro para ter uma mudança”?
Nas redes sociais ou nos jornais, a história interpretativa do “é ou não é” – do binarismo primário, das disputas por verdades fechadas e dos desejos e projeções pessoais, políticas ou corporativas – se repetia uma vez mais.
Para desenredar o nó desses movimentos cujo os repertórios e contextos são tão diferentes entre si – mas que compartilham do fato de que poucos parecem estar dispostos a entendê-los em seus próprios termos e sua própria contradição e complexidade –, nós precisamos urgentemente abandonar as lentes dicotômicas através das quais compreendemos o mundo político no século 20. Nós adentramos no século 21, na era do que tenho chamado de “revoltas ambíguas”.
Fruto da crise econômica de 2007 e 2008, as revoltas ambíguas são um fenômeno que veio para ficar. Elas são uma resposta imediata do acirramento de austeridade do neoliberalismo do século 21, marcado pela crescente captura dos estados e das democracias pelas grandes corporações.
Se o neoliberalismo flexibiliza as relações de trabalho e, consequentemente, as formas de fazer política sindical, atuando como uma máquina de moer coletividades, des-democratizar, desagregar e individualizar, os protestos do precariado tendem a ser desorganizados, uma vez que a esfera de politização deixa de ser o trabalho, mas ocorre de forma descentralizada nas redes sociais. Os protestos ocorrem mais como riots (motins) para chamar atenção: barricadas, vias interrompidas, pixação e escalada do Arco do Triunfo, como ocorreu recentemente na França.
Eles nascem, muitas vezes, de forma espontânea e contagiosa, sem um planejamento centralizado e estratégico, expressando um sentimento de revolta contra algo concreto vivenciado em um cotidiano marcado por dificuldades. São um grito de “basta”. Por isso, as pautas dos transportes e dos deslocamentos são tão centrais (o preço da tarifas de ônibus nas Jornadas de Junho; o preço da gasolina nas greve dos caminhoneiros e, agora, o imposto sobre o diesel na dos coletes amarelos).
Não é raro que esses protestos cresçam em onda de contágio e evoluam para pautas maiores: o custo de vida ou a corrupção.
Não é raro que esses protestos cresçam em onda de contágio e evoluam para pautas ainda maiores: o custo de vida ou a corrupção. Assim, eles vão gerando profunda coesão entre os participantes ao longo dos atos e, por isso, os acampamentos são tão importantes: eles invertem o abandono e a opacidade individualista da rotina de trabalho precarizada. São manifestações que politizam os sujeitos durante o processo.
Não é raro também que as revoltas ambíguas carreguem um forte componente patriótico (mas não necessariamente nacionalista), pois, como pontuam as sociólogas Donatella della Porta e Alice Mattoni, em “Spreading protest: social movements in times of crisis”, a revolta do precariado é justamente por mais políticas sociais nacionais, a partir de um entendimento de que a globalização do capital internacional não foi revertida em uma melhoria de vida das pessoas comuns.
No livro “A Precariat Charter: From Denizens to Citizens”, o sociólogo inglês Guy Standing chama o precariado de “as classes perigosas” e suas revoltas de “rebeliões primitivas” – o sociólogo Ruy Braga também aborda o assunto de um ponto de vista marxista no seu livro mais recente, “A Rebeldia do Precariado“. Para Standing, suas revoltas são anti-austeridade e sugerem que as democracias liberais e o capitalismo não entregaram suas promessas. Para o autor, elas vêm com alto teor de frustração, anomia, ansiedade, alienação de pessoas que vivem sem identidade profissional, em estado de insegurança, empobrecimento e endividadas.
As revoltas do precariado não têm forma acabada: elas são um início, um grito, um pedido de basta.
Parece-me anacrônico a fixação que alguns têm de discutir, desde as redes sociais, se a greve dos caminhoneiros ou os coletes amarelos são ou não são de esquerda. As revoltas do precariado não têm forma acabada: elas são um início, um grito, um pedido de basta.
As categorias de esquerda ou direita não dão conta das emergentes ondas contenciosas, as quais “são e não são” ou “isso e aquilo”. Isso não significa que o antagonismo ideológico não seja mais importante – ainda mais em plena época de polarização e populismo em escala global. Elas apenas não contemplam sua explosão contraditória. Direita e esquerda são os polos para onde as rebeliões ambíguas podem pender. São, portanto, um devir, uma disputa, um fim.
Seres humanos e sujeitos políticos tendem a continuamente produzir dicotomia. Isso significa que a ambiguidade não é um lugar no qual conseguimos nos manter por muito tempo. Assim, a radicalização dos sujeitos que se engajam nesses movimentos tende a um caminho natural.
Além disso, uma vez que sentimos a “energia vital” advinda da participação em um processo de efervescência social (aquela sensação de que nunca mais seremos os mesmos depois da experiência da luta coletiva), entramos num caminho sem volta.
Em 2016, quando nós revisitamos os rolezeiros para ver, afinal, para qual lado do pêndulo ideológico eles tinham virado, aprendi uma lição importante sobre as revoltas ambíguas. Uma parte dos jovens tinha se transformado em bolsominion, e uma outra parte era radicalmente contra, aderindo a lutas anti-fascistas, homofóbicas, racistas e machistas. E a lição foi precisamente entender que, nesses movimentos marcados pela descentralização e pela molecularidade, não teremos necessariamente a radicalização do movimento “com um todo” (por que não existe um movimento como um todo), mas de sujeitos e redes em particular.
Ou seja, a esquerda precisa disputar, primeiro o que é possível: indivíduos, redes e inserções. Quando os motoristas de aplicativos pararem – porque isso um dia deve acontecer –, e o Brasil entrar num novo surto de “o que está acontecendo?”, seria mais inteligente não exigir carteirinha de “bom trabalhador” nem check-list de entrada no clube ideológico. Os trabalhadores precarizados tendem a direita pela própria natureza injusta e individualista de seu trabalho, mas isso não elimina a injustiça que está lá de forma latente. O populismo de direita, esse sapo medonho, se veste de príncipe, não escolhe militante, estende a mão e acolhe. Uma grande parte de nós tem feito o oposto: rechaçado, ridicularizado e tachado tudo aquilo que não compreende.
A esquerda brasileira não vai conseguir disputar as revoltas ambíguas em sua totalidade, porque elas são monstros disformes mesmo. Mas pode disputar trabalhadores por meio do uso renovado das redes sociais, do emprego da micropolítica da conversa face a face (como foi feito no movimento #viravoto). Finalmente, a eleição de deputadas como a latina Alexandria Ocasio-Cortez nos Estados Unidos, com forte discurso de identidade de classe trabalhadora, nos dá pistas de que é necessário o retorno à radicalização de discurso que dialogue com a profunda e latente frustração popular.
Melhor análise que já li sobre essas revoltas ambíguas. Excelente texto! A Esquerda precisa disputar a narrativa e não se apegar ao modelo de atuação do Século XX, onde a organização determinava as pautas. Hoje é o contrário. A pauta está nas redes, nas ruas e ideologicamente solta. Obrigado!
é absolutamente falso dizer que o movimento “gilets jaunes” é como o junho 2013 no Brasil! é absolutamente falso dizer que metade deles é a extrema-direita. Esta é apenas uma minoria! o poder politico e a midia tenta “introduzir” a idéia que este movimento é de extrema-direita, por que isso é bom para eles, as classes dominantes!
Excelente comentário. Estas revoltas todas tem no cerne valores individualistas e de direita. Um bando de indivíduos não faz um coletivo.
A situação na França é diferente do Brasil.
O Macron foi eleito como o “novo”, nem de esquerda nem direita, pró povo.
O povo não está contente desde que ele tirou a taxa de imposto sobre grandes fortunas.
Agora, por causa dos tratados climáticos, os combustíveis mais poluentes serão taxadas por um novo imposto.
Os carros são uma necessidade, visto que o transporte público está saturado e fora das grandes cidades (a França é bastante rural) a única forma de se transportar é de carro. Claro que tem gente com carro de 50k 100k, mas a maioria tem carro de 10k, 15k quando é modelo família.
O governo está com um programa em parceria com as montadoras para que as pessoas tenham desconto de até 3k por um novo carro que custa em média 10k-15k e que polui menos, porque usa eletricidade (só faz 300km) ou combustível menos poluente e motor nova geração (os carros na Europa usam diesel, diferentemente do Brasil).
O povo (não o que está em Paris e ganha 30k/ano+ como mínimo, quando está empregado) ganha sua vida precariamente e uma grande maioria tem 10k-20k/ano. Ninguém tem 9k do dia pra noite pra comprar um carro novo. No mercado de carros segunda mão tem carro à 600 euros que funciona. Imagina que você deve comprar outro por 9k a mais porque o governo vai proibir seu carro de rodar a partir de 2020.
O Macron já falou que o imposto sobre grandes fortunas não volta. O imposto sobre fortunas imobiliárias (+2.5mm) será discutido.
A mídia exagera desde o primeiro dia, amplificando os protestos. Eles dedicaram o dia inteiro do primeiro protesto no sábado com equipes em todo país para mostrar o quanto era grande a indignação. Não sei se a mídia na França é como no Brasil, mas sabemos o poder que a mídia possui.
A Le Pen não saberá oferecer ao povo Francês as demandas, ela é racista e tem muito imigrante aqui. Duvido que ela seja eleita. Ela conquista o voto do povo pobre que culpa os imigrantes de roubar seus empregos e só.
Eu vejo mais possibilidade da externa esquerda voltar com força que a externa direita conquistar mais espaço. A maioria francesa é patriota, diferente da Bélgica do norte ou da Itália, que são nacionalistas.
Enfim, o Facebook tem força sim, a mídia também, mas a sociedade luta por mais igualdade, que é um dos valores mais fortes daqui.
Ainda não tenho uma opinião fechada sobre o assunto mas me parece uma ótima análise, Lucas. Obrigado!
E a grande mão por detrás de Trump, Brexit, Bolsonaro e primaveras? A divisão não seria intencional e fomentada pelos fakebook? Quem tem este poder? Porque China e Rússia nao permitem os mesmos fakebook dos americanos? Mácron recém tinha entrado em forte atrito com Trump e sua força, coincidência?
Artigo com visão obstruída pela crença esquerdista. Não aprendem, não reconhecem os erros, não evoluem.
Comentário obstruído pela crença bolsominion. Utiliza a mesma programação, sem atualização. Sempre o mesmo mimimi.
Escutae: vc acha mesmo que o Bolsonaro pode ter mais influência que o Karl Marx? Não digo que o Marx esteja certo. Digo que simplesmente o Bolsonaro não existe. Esse cara não é capaz de ler o que esta escrito no ticket do metro. Ele não tem uma ideia, e vai meter os pés pelas mãos quando começar a governar, a menos que ache alguém que o ajude. Mesmo o Temer é melhor que ele. O Bolsonaro nunca fez nada na vida. Tem menos experiência que entregador de pizza. Está na hora de você ler um pouco também; se instrua um mínimo para ver se consegue ter alguma opinião consistente. De contrário vc vai virar a chacota dos seus amigos.
A França não está reeditando os “protestos” de junho de 2013 que ocorreram no Brasil. Por quê ??? Porque a França não é governada pela Dilma e pelo PT. Os “protestos” que ocorreram no Brasil em 2013 tinham como objetivo desestabilizar o governo do Partido dos Trabalhadores. Esses “protestos” brasileiros foram planejados e organizados nos EUA. Não atingiram os seus objetivos naquela época, mas em 2016 a presidenta eleita do Brasil sofreu um processo de impeachment. E de lá para cá, a democracia só vem afundando.
https://mondaynote.com/how-facebook-is-fueling-the-french-populist-rage-27a86acb9d85
Ai vai o endereço completo da nota sobre esse assunto de que recomendo a aleitura.
Que [email protected] de matéria!
Como todas as análises sobre 2013 esta mantém a cegueira comum a todas elas. A questão principal não é se a revolta é de esquerda ou direita mas o fato de que, sendo marcadas e motivadas pelas famigeradas ” redes sociais”, as revoltas inevitavelmente caem imediatamente no colo da direita mais reacionária e corporativista possível. E este fato – as ” redes sociais” – que passam em branco em todas análises é constantemente menosprezado e sempre não se leva em consideração que as tais “redes sociais” não passam de produtos comerciais criados e inteiramente controlados por grandes corporações capitalistas extremamente reacionárias.
Parece que todos os analistas vivem uma ilusão utópica que confunde a propaganda feita pelas próprias redes sociais de si mesmas -de que se tratam de um espaço democrático, horizontal e aberto – e acreditam que o fato de que os produtos foram feitos com intenção de controlar os usuários é inócuo e não afeta em nada a “autenticidade” das revoltas.
Este seja talvez o ponto, que para mim é óbvio, que escapou de todas as análises: É impossível que qualquer movimentação política que se utilize de “redes sociais” , ou qualquer outro meio de comunicação dominado pelas grandes corporações, permaneça independente e representativo de qualquer grupo social que seja. AS REDES SOCIAIS DOMINAM E CONTROLAM TODA INFORMAÇÃO QUE PASSA POR ELAS, portanto toda e qualquer revolta que se baseie na comunicação através de ” redes sociais” imediatamente será controlada e terá seus objetivos distorcidos para atender o interesse das grandes corporações.
Só um cego não consegue ver isso!!
Falou besteira, ta fumando muita maconha?
Olha, Fernando, eu acho que o texto se perdeu um pouco no final mesmo, mas achei super interessante todas as questões colocadas pela Rosana sobre esta questão das manifestações populares na era neoliberalismo no século 21. E eu entendo que você quer dizer sobre o problema das redes sociais, mas eu acho que a gente não pode se perder no discurso de que são elas que causam os problemas sociais atuais. As “redes sociais” são simples ferramentas: nós é que fazemos o que quisermos dela.
O verdadeiro problema são as empresas por trás destas ferramentas, que se enriquecem às custas de vender as nossas informações para quem paga mais, sem se preocupar para quem estão vendendo, e nem a questão ética por trás disso. A Internet chegou atropelando qualquer tipo de legislação, pela rapidez com que se propagou.
Faltou, em todos os países do mundo, pensar com cuidado em como regulamentar este lugar virtual e as empresas que o constroem. A Europa, por exemplo, só em maio deste ano é que começou a tentar correr atrás do prejuízo com a RGPD, mas eu sinto que ainda estamos bem longe da verdadeira transparência de tratamento destes dados que as empresas de tecnologia detém.
Ambiguidade, trabalhar com ideias diferentes, até opostas, suportar a contradição…
A primeira vez que li uma crítica sustentada à dicotomia – enquanto modo de construção de conhecimento e de ordenamento político do mundo – foi no “Manifesto Contrassexal”, de Preciado…
Depois, em “Space, place and gender”, de Doreen Massey, encontrei bibliografia mais ampla sobre o assunto..
Em certo sentido, dicotomias estabelecem oposições e hierarquias também…
O que é certo e o que é errado, bom e ruim, positivo e negativo…
Oprimido e opressor…
E sempre nos colocamos, claro, no pólo positivo…
“O poder do atraso”, escreveu José de Souza Martins…
E quem é o atraso? O outro, evidente…
Ou seja, somos apenas uma coisa…
Novas formas de conhecer, interpretar – o “novas” já introduz dicotomia, mas a reconheço, o que permite autocrítica…
Rancière, em “O ódio à democracia”, lá nas últimas páginas diz, com outras palavras, que o novo traz consigo o antigo, por isso a realidade não muda, da noite para o dia, com uma revolução… A democracia é contínuo trabalho cotidiano… Haddad repetiu isso, dias atrás…
“Porque na política ninguém perde a guerra. Não existe a guerra, com começo, meio e fim. É só batalha. Uma atrás da outra. ”
Elite econômica abriu mão de seu verniz ao eleger Bolsonaro, diz Haddad. “Petista afirma que agenda obscurantista de presidente ajudará a dar fôlego a neoliberalismo”, Mônica Bergamo, Folha/Uol, 26 de novembro de 2018
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/elite-economica-abriu-mao-de-seu-verniz-ao-eleger-bolsonaro-diz-haddad.shtml
Retomando…
Novas formas – ambíguas – de conhecer também enfrentam situações parecidas com aquelas vividas por muitos movimentos sociais, aliás, movimentos que são novas formas de entender a vida…
O mundo, o capitalismo… tudo é transformado…
Se não construímos novas formas de compreensão…
Uaaaahhh…. Que sono.
Excelente análise.
Vcs tem uma versão em inglês?
Obrigado
Isso é orquestrado pela extrema direita que risca o fósforo e vê o cabare pegar fogo. A seguir, comemora seus lucros.
“Nós já vimos esse filme. E ele não leva a lugar algum.”
Como não? Levou à eleição da extrema-direita no Brasil.
Assim como a primavera árabe. Essas revoltas só são ambíguas para quem não quer ver a manipulação das massas.
Porque seria diferente na França? Porque os europeus são mais politizados? Boa piada.
Complementando.
No século XXI descobrimos que é possível sim instrumentalizar os anseios da população e os movimentos populares para atingir objetivos contrários. A direita nos provou que isso é possível. Por isso temos trabalhadores batendo palmas para a terceirização irrestrita e o fim do Ministério do Trabalho.
Ou seja, a vontade do povo pode ser completamente manipulada. Portanto, a democracia virou uma utopia.
Resta à esquerda aprender a jogar esse jogo sujo também.
Humberto, compartilho da sua opinião. São sejamos ingênuos em pensar que isso não seria possível também na França, vide a ascensão da extrema-direita pela Europa. As redes sociais nos mostraram como podem ser decisivas nesse processo.
As redes sociais provaram que podem ser instrumentalizadas para moldar a vontade popular. Já não há mais dúvidas, são um risco a qualquer democracia.
A questão agora é como lidar com isso.
Como sempre, um excelente esforço de avaliação. E, como sempre, uma discussão em aberto que nos permite refletir de forma democrática. Parabéns à autora do texto.
O que eu gostaria de questionar aqui vem de uma percepção pessoal, que pode estar errada. Daí, a necessidade de expô-la. É o seguinte: por que tais manifestações “espontâneas”, organizadas de forma aparentemente descentralizada ocorrem apenas contra governos que se desalinham aos interesses dos que representam atualmente as grandes corporações ultraconservadoras que dão as cartas na economia mundial a partir do capitalismo de mercado? Estamos vendo agora um alvo claro e bem definido. O Governo Makron tem se posicionado de forma categórica contrariamente em relação ao assédio americano sobre a U.E. Ele hegou a defender, juntamente com Angela Merkel, a criação de um exército unificado contra um inimigo reconhecido pela região: o atual governo americano de Trump. O mote ideológico vem do avanço do fascismo nos países europeus, colocando em risco as forças democráticas dentro da Europa. A percepção de que tais manifestações verteriam para o fortalecimento de Marine Le Pen não é mera conjectura atrelada à capacidade de absorção da esquerda do contingente que se manifesta. Em todas as vezes que tais manifestações foram chamadas via internet, foi constatado o dedo sujo das Tinc tanc e de seus financiadores, a saber: irmãos cock, Tea Party, George Soros e seus afiliados. Não seria ingenuidade esperar que a esquerda francesa consiga ao menos converter tais forças para o fortalecimento de alguma pauta mais progressista? Por que razão estes manifestantes fazem questão de manter seu caráter “espontâneo” alijando de participação toda e qualquer representação social, desde sindicatos, Associações até partidos políticos? Ao declarar que a intenção de tais manifestações não é outra senão espalhar o caos e forjar uma crise política interna, Makron não estaria vendo os resultados de tais manifestações em toda a América Latina, em especial no Brasil? Não é legítimo que ele defenda as instituições, sob pena de uma condução da vida política do país em favor de grupos representados por gente como Le Pen? Não estaria assim, algo mais profundo prestes a ser deflagrado, tais como o fim do Estado Democrático de Direito, como no Brasil? Isto não está acima de questões econômicas geradas pela austeridade, tais como o aumento do diesel, o que, de antemão deslegitimaria tais manifestações? Mesmo que o descontentamento dos manifestantes seja sincero, com o circo armado desta forma, vale à pena “fazer a Republicana” como Dilma Roussef?
Creio que o grande mal da esquerda atualmente seja analisar as conjunturas a partir de “quadradinhos” ideológicos capazes de lhe dar uma certa sensação de comodismo afetivo em relação à realidade. É bonito ficar do lado de gente que se vê injustiçada. Mas, fascistas também se viam injustiçados pelo sistema. Lutavam em princípio contra desigualdade e contra o acúmulo de capital por parte dos bancos. Isto não redundou em nada que pudesse ser considerado revolucionário em relação ao sistema. Ao contrário, o aprofundamento das desigualdades chegou ao limite do pensamento eugênico e da distinção de raça. Isto porque, acredito que a frustração canalizada, sem foco devidamente definido, sempre se prestará a nada menos que a exacerbação do ódio. Graças ao simplismo e à ausência de foco, a necessidade de alguém que se autoproclame como “observador privilegiado” da realidade, faz com que a massa descontrolada entregue sua força nas mãos de gente manipuladora e perspicaz, no sentido de conseguir entender os anseios mais atávicos e não ter pudor de vertê-los em favor próprio. É assim que nascem Olavos de Carvalho, Bolsonaros, Malafaias, Macedos, Goebbels, Hitler e tantos outros. A insegurança e a percepção do caos iminente, seguido de um descontrole total sobre suas vidas, conduzem os anseios egocêntricos dos “revoltados’ à busca por um líder, um pai, um disciplinador. Acho que é a isto que se prestam tais manifestações. Canalizar frustrações e perverte-las em favor de setores que se disponham a fazer o serviço sujo para aqueles aos quais poucos de nós conseguiriam apontar na rua.
Se algum efeito da atuação incompetente das esquerdas no mundo atual, este advém do abandono das práticas de inclusão, participação e cidadania por parte de seus líderes, em benefício da luta político-partidária e da aposta de que suas realizações mais diletas se dariam com a participação nas esferas institucionais somente. Acharam que ganhar eleição seria a garantia para mudar o mundo. Tentaram varrer uma piscina de merda entrando nela. Acabaram se sujando com tudo que nela entra.
A esquerda deveria definir sua real natureza política de forma mais apurada. Sem se criar o caldo de cultura necessário para garantir uma representatividade ampla da sociedade, investindo em formação ética, no cultivo de valores que interessem à maioria, denunciando sistema de controle e manipulação de massas, mostrando os perigos reais da subserviência ao sistema, enfim, sem formar bons indivíduos que optem por cultivar os interesses coletivos, de nada adianta chegar ao governo. A aposta no “realismo”, na “Realpolitik”, no pragmatismo, na coalisão, na cooptação… estas coisas de nada impediram que a esquerda e os progressistas levassem esta facada nas costas. O vácuo deixado na participação social e na organização da sociedade foi preenchido pelo Facebook e pelo Twitter. Não há distopia pior.
Sempre com ótimo argumentos!!! Parabéns e continue assim!!!
Uau!
Edgar, você é o comentarista do ano do TIB. Toma cá um abraço!
O respeito é mútuo, colegas! Orlando agradeço-lhe pelo elogio, mas você tem consciência de que espaços de boa informação e com dados apresentados “fora da caixinha” são importantes na formação de opinião. O TIB, claro, é um deles. Mas, há vários outros. O passo adiante por aqui, é que, os jornalistas e analistas que dispõem a expor a realidade, o fazem buscando contato com setores da sociedade que quase nunca encontram voz. Reverberar isto, tentar contribuir, é só efeito colateral produzido sobre gente que se identifica com as análises. Esta identificação vem diretamente a partir daquilo que vemos no cotidiano. Pra mim, a questão mais dileta é a segurança pública. Poucas vezes pude ver informações e análises condizentes com o que vejo nas ruas. A Entrevista com traficantes, com gente que simplesmente é alvo de elucubrações, foi uma das que mais gostei. Não por concordar com tudo que eles disseram (acreditem, discordo totalmente), muito menos por ter opinião fechada com os analistas. O fato é que, quando você não é Censurado é possível contribuir com seu próprio ponto de vista. A intenção não é polemizar. É entender. Nosso jornalismo brasileiro, muitas vezes o dito progressista, não tem esta disposição. Aqui, sempre houve. E isto que importa, não. Ser tratado com respeito faz o leitor querer participar. Fica a dica pros movimentos sociais e pras lideranças. Ao Leandro Demori, o especial parabéns pelas matérias e pelo espírito democrático (que fique claro, aos que julgam a postura como rasgação de seda mútua, a discordância está presente em todos os bate-papos. Mas, o respeito, igualmente).