Depois de chocar no Brasil o ovo da serpente, ou do fascismo, o ano de 2018 partiu para o esculacho antes de se despedir. Chocou os ovos de uma espécie que, em sua versão com violência além das palavras, a história supunha extinta: a dos galinhas-verdes. Na virada de novembro para dezembro, militantes autoproclamados integralistas afanaram e queimaram bandeiras antifascistas. Regozijaram-se com a aventura que propagandearam como “ação revolucionária”.
No dia 10, começou a circular um vídeo que mostra 11 homens, aparentemente brancos, encapuzados. Eles se apresentam com o nome fantasia “Comando de Insurgência Popular Nacionalista”, componente de uma certa “grande família integralista brasileira”. Contam que surrupiaram três bandeiras com mensagens contra o fascismo afixadas na fachada do casarão onde funciona o Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
Pisam as bandeiras “Antifascismo”, do curso de administração pública, e “Não ao fascismo”, do direito. Um porta-voz lê o manifesto com a denúncia de que “nossa juventude é ensinada a se insurgir contra a pátria”. A consequência das alegadas lições seriam “drogados”, “homossexuais militantes”, “ateus materialistas”, “pedófilos”, “comunistas” e “escravos do banqueirismo internacional”. Na parede do local da gravação, coabitam uma bandeira do Brasil e uma com o sigma, letra do alfabeto grego que foi símbolo da Ação Integralista Brasileira (AIB). O vídeo se encerra com o “ritual de queima das bandeiras”, num simulacro tropical de encenações da Ku Klux Klan.
“Faixa com mensagem contra o fascismo afixada no Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da UniRio, depois de três bandeiras serem furtadas e queimadas.
Foto: Foto: Mário Magalhães
Os direitistas fanáticos se inspiram na AIB, organização de massas que, na década de 1930, mobilizou 400 mil militantes em 1.123 núcleos. Seus simpatizantes somavam milhões. Fascinada com o nazifascismo europeu, mimetizava-o em ideias, alegorias e adereços. Em vez da suástica, desenhou o sigma. Os extremistas alemães gritavam “Heil, Hitler!”; os integralistas adotaram o tupi “Anauê!”
Os fascistas italianos trajavam camisas pretas, como um afamado magistrado-político brasileiro faria no século vindouro; os da AIB escolheram outra cor, por isso eram conhecidos como “camisas-verdes” – seus antagonistas os esculhambavam como “galinhas-verdes”.
Depois de uma batalha a pólvora e porrada entre sigmoides e uma frente antifascista, em outubro de 1934, o humorista Barão de Itararé tripudiou: “Um integralista não corre; voa”. Os ladrões das bandeiras repetiram no vídeo a velha saudação galinácea, com o braço estendido para o alto e para a frente. É cópia quase idêntica da saudação romana, horizontal, dos adeptos de Mussolini.
“Avessos ao liberalismo econômico, os integralistas desde sempre se alinham aos liberais no essencial.”
Os grupúsculos integralistas em atividade no Brasil apoiaram Jair Bolsonaro contra Fernando Haddad. Na manifestação de 21 de outubro na avenida Paulista, o líder de uma tal Frente Integralista Brasileira ecoou a antiga divisa “Deus, Pátria e Família”. Em seu discurso, Victor Emanuel Vilela Barbuy disse que o integralismo “não se confunde com o fascismo italiano”. Deve ser por isso que seus correligionários ideológicos queimaram bandeiras anti… fascistas.
Ao elogiar a indicação do professor Ricardo Vélez Rodríguez para o Ministério da Educação do próximo governo, o escritor Olavo de Carvalho derreteu-se: “Se você falar de integralismo brasileiro, ele sabe tudo”.
Avessos ao liberalismo econômico, os integralistas desde sempre se alinham aos liberais no essencial: a defesa da propriedade privada dos meios de produção (nos anos 1930, o caráter da propriedade era questão cara à esquerda no Brasil e no mundo). A racista AIB cultivava o antissemitismo, sobretudo o chefe de suas milícias, o escritor Gustavo Barroso. Idem o dirigente número um, Plínio Salgado, também escritor.
Pouco depois da batalha da praça da Sé, que provocou ao menos seis mortes em 1934, Plínio demonizou, no jornal A Offensiva: “Declarei solenemente a guerra contra o judaísmo organizado. É o judeu o autor de tudo. (…) Fomos agora atacados, dentro de São Paulo, por uma horda de assassinos, manobrados por intelectuais covardes e judeus. Lituanos, polacos, russos, todos semitas, estão contra nós”.
A crise do liberalismo estimulou a multiplicação dessa gente oito, nove décadas atrás. A AIB influenciou de modo decisivo a história ao fornecer a Getulio Vargas um pretexto, o falso “Plano Cohen”, para o presidente dar um golpe de Estado em 1937 e sacramentar sua condição de ditador.
Foram integralistas personagens de destaque da República que anos mais tarde romperiam com seus valores do passado e rumariam para o centro e a esquerda, como o bispo dom Hélder Câmara, o jurista Goffredo da Silva Telles Junior e o estadista San Tiago Dantas.
Em reedição histórica, os torvelinhos econômicos do final da primeira década do século 21 propulsionaram a ascensão de movimentos aparentados com o fascismo em vários recantos do mundo. A eleição de Bolsonaro se vincula a esse cenário.
As bandeiras foram levadas da UniRio, no bairro carioca de Botafogo, em 30 de novembro. Haviam sido desfraldadas em outubro, como protesto contra decisões judiciais que proibiram iniciativas semelhantes em outras instituições de ensino superior. Depois do vídeo com a incineração, a comunidade universitária abriu uma nova faixa antifascista.
A volta dos ditos integralistas comprometidos com “ações revolucionárias” é mais um episódio grotesco da temporada. O Brasil caminha, como de costume, entre a tragédia e a comédia. O ano foi impiedoso. Já deu para a bolinha dele. Vaza, 2018!
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A miséria do desconhecimento histórico é o mal do período pós ditadura. O que é a história decoreba senão a forma de olhar para a história sem um fio condutor que una passado, presente e futuro? Que é isso que faz o brasileiro ignorar o próprio passado, negar o presente e abandonar um futuro promissor como uma nação próspera e igualitária? A resposta pode ser um tanto simplória, mas é apenas o medo que a elite nacional tem de deixar de ser elite, de empobrecer. Tem medo de que façam com ela o que ela mesma já fez e ainda faz aos outros. Por isso ela impede o ensino do pensamento crítico.
Aqui, temos que ponderar sobre o marxismo para a história. O marxismo é o entendimento de que cada momento histórico é motivado por fatores políticos e sócio-econômicos do mesmo momento histórico que os produziu. A inconfidência mineira, por exemplo, nasce da insatisfação social com a condução política e econômica da coroa naquele momento. Não há como compreender a inconfidência mineira sem perceber que o que a produziu foi a forma como a coroa governou o Brasil naquele mesmo período em que a inconfidência existiu. Portanto, a inconfidência mineira foi uma reação ao momento político e econômico da época. Sem esse olhar sobre a história, nunca compreenderemos a inconfidência mineira como o que ela realmente foi, um movimento de independência política e econômica que uma classe brasileira levantou contra uma forma de governar. Sem nem questionarmos por que Tiradentes era um patriota que queria o Brasil para os brasileiros, como poderemos compreende-lo? É para isso que serve o marxismo. E a ausência dele gera a incompreensão da atualidade, produzindo aberrações como a que vemos na eleição de Bolsonaro, um notório corrupto que logrou a complacência dos brasileiros com a corrupção dele.
E em 2019 vai ser muito melhor! Avante Integralistas!
Anauê!
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Cambada de vermes!
Nem com a ditadura militar a função do Estado se descaracterizou de tal forma que justificasse qualquer ação de desobediência civil. Há um lado bom nisso. A única forma de se resgatar o mínimo de cidadania é insurgindo contra as “otoridades” procalamadas por este governo vindouro como absolutas e arbitrárias máquinas de matar.
Somente à minoria mais predatória do país esta situação se mostra positiva. O grande resto terá de se manifestar, mesmo que desarticuladamente contra as forças institucionais. Pela primeira vez a História nos dá a chance real de ruptura com um sistema que sempre se reeditou por acordos de porta fechada e conciliações capengas. Será conflito direto e constante, sem direito a anistia, negociação ou que diabo for. É o momento de colocar esta quadrilha e sua máquina na condição a que deveriam estar: a de párias da humanidade, tal como fascistas e nazistas do passado.
Eu aposto minhas fichas no lado de cá. Dez por cento da população não serão capazes de conter a fúria de uma indignação contida por séculos.
2019 vai ser muito, mas muito pior. A questão agora é só saber que tipo de ditadura teremos, a de corte classista ou a de corte policialesco-militar, ou mais provável, uma mescla desses dois; a única forma de ditadura que está excluída é a ditadura do partido único, pela simples razão de que essa instituição política é de tudo estranha ao nosso sistema político oligárquico. Tudo agora vai depender da credulidade das massas e de como vão se comportar seus novos lideres: a corja e a escória no poder, Bolsonaro, seu patético ministério e suas lideranças no Congresso. Por hora a plutocracia os apoiam, vamos ver quanto tempo as feras não comem suas crias. Que comece o triste espetáculo!
O novo normal deste triste país. Esperamos todos que por bem pouco tempo. Aliás, nem tão novo assim, como esclarece a reportagem.
Acho que a coisa mais surpreendente é saber que esse país sempre foi tosco desse jeito, nós que não sabíamos.