ASSISTA: A estranha e evasiva posição dos EUA sobre o Brasil

Integrantes da direita assumiram o controle do Brasil, mas o Departamento de Estado está mais interessado em criticar o regime de esquerda venezuelano.

Supporters of Brazilian suspended President Dilma Rousseff protest against acting president Michel Temer, in Sao Paulo, Brazil on May 22, 2016. Rousseff was suspended from office to face an impeachment trial on charges of tweaking government accounts to make them look better as she sought re-election in 2014. / AFP / Miguel Schincariol (Photo credit should read MIGUEL SCHINCARIOL/AFP/Getty Images)
Supporters of Brazilian suspended President Dilma Rousseff protest against acting president Michel Temer, in Sao Paulo, Brazil on May 22, 2016. Rousseff was suspended from office to face an impeachment trial on charges of tweaking government accounts to make them look better as she sought re-election in 2014. / AFP / Miguel Schincariol (Photo credit should read MIGUEL SCHINCARIOL/AFP/Getty Images) Foto: Miguel Schincariol/AFP/Getty Images

(The English version of this article can be found here.)

Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA se recusou repetidas vezes a comentar sobre a crise política que está no auge no Brasil, durante a coletiva de imprensa diária de sexta-feira – em um contraste quase risível com suas longas e eloquentes críticas à vizinha Venezuela.

Quando questionado sobre o forte contraste, cada vez mais exasperado, o porta-voz do departamento, Mark Toner, respondeu: “Eu apenas – novamente, eu não tenho nada a comentar sobre as presentes dimensões políticas da crise que ocorre lá. Eu não tenho”.

Assista às respostas do porta-voz abaixo:


O Departamento de Estado norteamericano está, há muito tempo, inclinado a criticar o governo de esquerda da Venezuela, que seguiu políticas antagônicas a corporações internacionais. Em contraste, o órgão permanece silencioso sobre a tomada do poder no Brasil por um governo de direita e pró-corporações, que está fazendo da privatização de empresas estatais uma prioridade.

O bate-boca na sexta-feira começou quando The Intercept perguntou a Toner por que os EUA têm tomado parte nas críticas à recaída democrática da Venezuela, mas ignorou a crise política no Brasil, onde legisladores de direita votaram, no dia 12 de maio, pela suspensão do governo eleito e pela abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

“Eu não estou ciente das alegações que você fez. …Nós acreditamos que [o Brasil] seja uma democracia forte”, respondeu Toner.

“Democracias fortes permitem que as forças armadas pratiquem espionagem contra oponentes políticos?”, respondemos, apontando para notícias recentes de que a nova administração está monitorando o antigo governo. Quando Toner desviou novamente, dizendo “não ter detalhes” sobre a vigilância, Matt Lee, repórter veterano da Associated Press, entrou na discussão, perguntando se o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff era sequer “válido”.

Toner continuou a se desviar, reafirmando a confiança dos EUA nas instituições brasileiras.

Porém, assim que Pam Dawkins, do jornal Voice of America, perguntou sobre a Venezuela e “o estado da democracia ali”, em meio ao adiamento de um referendo proposto para decidir sobre a saída ou permanência do atual presidente, proposto pela oposição no país, o tom de Toner mudou drasticamente.

Em uma resposta que se estendeu por dois minutos, Toner se posicionou de forma totalmente moralista, pedindo que a Venezuela respeite normas democráticas. “Nós fazemos um apelo às autoridades da Venezuela para que permitam que esse processo [de proposta do referendo] seja movido de forma rápida, e encorajamos as instituições apropriadas a assegurarem que os venezuelanos possam exercer seu direito de participar desse processo em acordo com as práticas e instituições democráticas da Venezuela e princípios compatíveis com a Carta Democrática Interamericana”.

Lee se viu obrigado a notar o contraste. “Você acabou de – essas são duas respostas muito longas, críticas, sobre a situação na Venezuela”, disse ele. “E, mesmo assim, o Brasil, que é um país bem maior e com – um país com o qual você manteve melhores relações, tem o que, duas frases?”

“Eu apenas – novamente, eu não tenho nada a comentar sobre as presentes dimensões políticas da crise que ocorre lá. Eu não tenho”.

“Mas vocês têm muito a dizer sobre a situação política na Venezuela”.

“Temos”, Toner respondeu.

“Por que isso?” Lee retrucou.

“Bom, nós apenas – nós estamos muito preocupados com a atual…” começou Toner, antes de ser interrompido por Lee mais uma vez.

“Por que vocês não estão muito preocupados com o Brasil?”, provocou Lee.

“Novamente – veja bem, eu já falei a minha parte. Quer dizer, não tenho nada a acrescentar”.

“Mesmo? Tudo bem”.

Outro repórter entrou na discussão, perguntando a Toner se a composição do novo gabinete de governo do Brasil – formado exclusivamente por homens, muitos ligados a grandes empresas no país, e que toma o lugar do gabinete liderado pela primeira líder feminina na história do país – era motivo de alguma preocupação.

“Olha, gente, eu vou checar se temos algo mais a dizer sobre a situação no Brasil”, concluiu Toner.

Rousseff e seus apoiadores chamam o impeachment de “golpe”, e múltiplos observadores internacionais questionam a legitimidade do processo, incluindo o secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OAS), Luis Almagro, e The Economist.

Enquanto a pressão popular aumenta contra o recém-surgido governo interino de Temer, marcado por escândalos, uma votação final sobre o processo de impeachment deve ocorrer até o próximo mês.

Relacionadas:

Traduzido por: Beatriz Felix

Foto em cima: Apoiadores da presidente afastada Dilma Rousseff protestam em São Paulo.

Join The Conversation